Certa vez ouvi de um mestre que o melhor dia da vida é justamente o que não vivemos. É aquele que pelos acidentes  da vida não conseguimos tocar. É aquele dia em que não presenciamos o nascer de seu sol nem o sorriso tímido de sua lua.  Não conseguia compreender muito bem o significado daquelas palavras.  Mas ao longo da caminhada, cada vírgula foi fazendo sentido. Sim, de certa forma o melhor dia da vida é justamente o dia em que não veio. Pois eles comportam os sonhos, as lágrimas não pesam como as que romperam nossa represa e furiosamente rasgaram nossos olhos. A vida é tão curta para alguns e mesmo assim há um esforço destes para encurtá-la ainda mais. Dores que tomam conta do peito e prende sonhos numa gaiola de papel. E como é resistente esse papel! Dores que agitam nosso mar, que faz de uma brisa uma tempestade impiedosa. Faz do peito um Coliseu, de nossos sonhos gladiadores. Quem viverá? As feras ou os pobres sonhos travestidos de homens? Ou somos homens travestidos de sonhos (e ilusões)? Mas não são as dores que encurtam a vida, e sim nossa fuga. Basta o céu ceder ao cinza das nuvens pesadas para pensarmos em um abrigo. Todos nós somos merecedores de um refúgio, não há dúvida. Mas é preciso enfrentar as gotas da chuva, ter a pele tocada por suas águas, conhecer suas histórias enquanto elas correm por nossos cabelos e deslizam sobre nossos ouvidos. Não há dor sem razão, não há sofrer sem história (s). Encurtamos a vida cada vez que corremos dos ventos frios, da ausência dos raios quentes oferecidos pelo sol que há minutos atrás estavam ali, em nosso dia, em nossa vida.

É verdade então que o melhor dia da vida é aquele em que não pisamos os pés, pois nele o sofrer não faz morada. Mas também é verdade que nesse dia os aprendizados são menores. Quando o sol brilha sempre, não há noite. E quando a noite não chega, não se pode ouvir os segredos que o escuro nos traz. Não há como entendermos a solidão da lua e seu riso misterioso.  As dores forjam nossas histórias,  preenchem as pautas vazias de nossos cadernos, assim como os dias de sol. E disso não há como fugir. Ainda que venhamos a nos esconder da chuva em nossos quartos, ela estará lá e aqui, aqui dentro. As gotas  tocam o chão, batem no telhado, escorregam pelas paredes e criam rastros na janela. A chuva pode não nos molhar, mas não pode ser contida. Abrigar-se em abraços ou na distância pode amenizar as dores da vida, mas não pode impedir sua existência.

O melhor dia da vida é o dia em que vivemos, sorrimos, brincamos, abraçamos, é aquele em que caímos, choramos, nos despedimos, enfim: vivemos sem medo da vida.

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 Para o Herói Falido.